Opinião: Invencível, o rádio troca de pele mais uma vez
Sofia, minha filha de um ano e meio, espalhou quase todos os brinquedos no chão. Mal dá para enxergá-los. Estamos sem energia elétrica já faz algum tempo.
Da varanda de casa, eu e Marcela, minha mulher, acompanhamos preocupados a força do vento que dobra as árvores lá embaixo. As nuvens carregadas anteciparam o fim da tarde de calor. Mais um temporal.
Sem tevê, telefone ou internet, só nos restou o rádio. De pilha, evidentemente. É o rádio quem nos conta do caos pela cidade. Alagamentos, congestionamentos imensos. Ainda bem que estamos protegidos.
No rádio, o prefeito culpa a empresa de energia pela falta de luz generalizada. A empresa de energia culpa a prefeitura por não podar as árvores.
Com tanta água lá fora, o governador se esforça para justificar as torneiras secas. Haja explicação. De Brasília, mandaram avisar: vai haver um ou outro aumento de imposto. Tudo pela credibilidade arranhada.
O Corinthians perdeu Dudu para o Palmeiras. Tomara que ao menos renove com o Guerrero.
Depois do intervalo os âncoras abrem o microfone para os ouvintes. Voltam a falar da chuva. Milhares de paulistanos estão na mesma situação que eu. O André, empresário de Itaquera, a Doutora Sônia, médica da Vila Mariana, e o Augusto, porteiro na Avenida Paulista.
Me sinto menos sozinho. É curioso, mas é sempre essa a sensação que tenho quando ligo o rádio. De proximidade com quem nem conheço.
E é por encurtar distâncias, físicas e emocionais, que o rádio foi, é, e será sempre um meio de comunicação vigoroso e relevante.
O rádio atinge 90% da população brasileira, segundo pesquisa feita pelo Ibope no fim do ano passado.
É gente em busca de notícia, análise, diversão, esporte, música e humor. Mas acima de tudo, é gente em busca de companhia.
A disseminação da internet, embora ainda com sinal de baixa qualidade e distante de atingir todo o país, e a popularização dos aparelhos de celular com sintonia FM foram impulsos fundamentais para mais uma renovação, uma nova troca de pele de um meio de comunicação que não para de se reinventar.
A participação de ouvintes que nos acompanham e interagem na programação usando o celular para dar informações ao vivo por aplicativos como WhatsApp, por exemplo, mostra como a tecnologia intensificou a relação entre o apresentador e o ouvinte, que se transformou, definitivamente, em agente e não mero espectador. A interatividade, tão buscada por emissoras de tevê, jornais e portais na internet, está incrivelmente adiantada no rádio.
Uma outra evidência do momento especial: depois de muitos anos, o rádio voltou a atrair profissionais consagrados em outras mídias que atingem níveis de popularidade jamais conquistados em blogs ou jornais. Também seduz estudantes em busca de um caminho na carreira.
Tudo isso me dá confiança e tranquilidade. No futuro, quando tropeçar nos brinquedos espalhados pelos filhos na penumbra da sala em um dia de chuva forte e falta de energia, Sofia poderá ligar o rádio e nunca, mas nunca mesmo, se sentirá sozinha.
*Apresentador da Rádio e TV Bandeirantes
Fonte: Amirt
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